segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Bendita chuva

- Já são quase dez horas, acho que eles não voltam hoje!
Chovia torrencialmente em São João Del Rei e as famílias de Betina e Sandoval resolveram passar o fim de semana no sitio dos pais de Sandoval, era uma casa grande cercada de campos verdes, sem vizinhos. O lugar trazia uma sensação de paz, tranqüilidade e liberdade. Quem tomava conta era o seu José, caboclo mineiro, daqueles que adorava o sossego e uma branquinha, durante a semana ele cuidava de tudo, plantava, fazia queijo, goiabada, cuidava das criações e dos reparos.
No fim de semana ele ficava na cidade, bebia e contava causos e bebia, bebia e bebia na segunda ele voltava para o sitio e a rotina de trabalho, beber mesmo só no fim de semana, durante a semana era uma antes do almoço, uma antes do jantar e duas antes de dormir, ele era disciplinado.
Na varanda do casarão Betina e Sandoval esperavam pelos pais, seu José estava na cidade e eles estavam sós.
-Tininha, não se preocupe a estrada deve estar perigosa e eles devem ter ficado por lá.
-Eu não estou preocupada com eles, só queria saber se eles voltam ainda hoje. Betina deu um sorriso sapeca para Sandoval que, acreditem, entendeu tudo.
- Senta aqui um pouco e observe. – Pediu Sandoval.
Tininha sentou e olhou para o infinito verde no começo e depois escuro.
-Você acha que não conseguiríamos perceber se eles estivessem voltando? – Indagou Sandoval.
-É verdade, daqui temos a visão de tudo. – respondeu Betina.
Sandoval beijou Betina apaixonadamente, Betina sentiu que aquele era o momento certo, olhou-o nos olhos com aquela carinha de menina assustada e disse:
-Tô com medo Sandô, eu estou morrendo de vontade, mas estou com medo.
A primeira vez é o encontro com o desconhecido, expectativa, ansiedade e, é claro, o medo.
Sandoval estava decidido e sabia que muita coisa dependia única e exclusivamente dele, afinal a tão esperada primeira vez deles seria algo que eles se lembrariam para sempre.
- Tininha, eu também tenho medo, mas a paixão e o amor que sinto por você são maior que tudo.
Beijou novamente e sentaram-se um de frente para o outro, o som da chuva misturava-se com os gemidos de Betina. Sandoval desnudava-a enquanto contemplava aquele corpo maravilhoso de pele bronzeada, sentia os seios rijos roçando seu peito enquanto se beijavam, os dois estavam embriagados de tanto desejo.
Subitamente Sandoval pegou Betina no colo e se dirigiu para o interior da casa.
-O que você está fazendo? – perguntou Betina.
-Te levando para o quarto! – respondeu Sandoval sem se importar.
Em minutos os dois estavam nus, explorando cada milímetro um do outro, curvas e retas, sabores e gemidos no ritual sagrado dos amantes.
Os dois descobriam os mais variados sabores do amor na alquimia do beijo, viajaram por outras dimensões na magia do toque.
- Não agüento mais meu amor! Te quero dentro de mim, por favor! – suplicou Betina.
Sandoval quase não conseguia falar de tanto desejo e respondeu algo entre um gemido e um sim.
Sandoval posicionou-se sobre o belo corpo de sua amada Betina e com toda a gentileza e firmeza exigida na ocasião foi invadindo o corpo de Betina, que extasiada apertava seu corpo contra o dele.
Sentiam o calor dos corpos e o sal de suas peles entre beijos, mordidas e sons desconexos, naquela hora eles se tornaram apenas um.
Apenas um gemido, um sabor, um movimento, uma explosão.
Betina chorava compulsivamente, parecia que sua alma saíra de seu corpo e que descobrira um novo mundo.
-Sandô, te amo!
-Eu te amo demais Tininha, fica comigo pra sempre?
-Pela eternidade! – respondeu Betina
A luz fraca deixava-os mais bonitos ainda, como se fossem uma gravura em óleo feita por um pintor apaixonado.





Continua...

Life's a beach

- Deus me livre! - bradou Tunhão no meio do caminho.
- O que foi Tunhão? - indaguei
- Nada, Deus me livre é o nome desse morro! hahahaha...
Era a primeira de muitas viagens que faria com aquele pessoal, todo ano, no mês de janeiro, eles acampavam naquela praia ou seria vilarejo.
- Porra, este morro me mata! - dizia o quase esbaforido Tunhão.
- Mas vale à pena, dá uma olhada!
Só então pude perceber a beleza daquele santuário, o mar azul, a praia quase deserta, exceto por alguns pontos que, provavelmente eram as barracas do pessoal que foi na frente.
- Bródinho cê vai gostar, marca essa data, porque você vai voltar aqui todos os anos!....hahaha.
Depois de uma hora e tanto chegamos e já estavam o primo Cabelo, primo Preto, primo da Lua, a Lua, o pequeno Siddhartha (pois é ele nunca perdoou os pais pelo nome, Siddhartha Gautama dos Reis) e o Nêgo boy com a nova namorada.
As barracas estavam em um semicírculo, o primo da Lua trouxe as barracas na komboza (naquela época uma barraca tinha quase o mesmo peso de uma casa) e assim que chegamos começamos a montar, faltando pouco para terminar, percebi um bicho grilo se aproximando.
- Salve Tunhão! - disse o bicho grilo, com muita intimidade.
- Fala Bagarai, quanto tempo meu bródi! - estranhei o nome, apelido ou sei lá o quê..
Depois de uma breve conversa Tunhão nos apresenta:
- Esse é o Bagarai, gente boa, estradeiro e agente de viagem oficial. - disse Tunhão.
- Mermão, se você é amigo da rapeize é meu bródi também, tá em casa! - firmando o dito com um abraço.
- Vai participar do campeonato? - perguntou Bagarai
- Acho que não... - disse sem saber do que se tratava.
- Vai sim, com certeza ele vai. - afirmou Tunhão com uma bela gargalhada!
Depois do almoço e da merecida siesta, o primo Preto, Tunhão, primo Cabelo e eu fomos dar uma volta para que eu pudesse conhecer aquele paraíso quase deserto.
- Que campeonato é esse que o Bagarai falou?
Eles se entreolharam, começaram a rir e disseram:
- Relaxa e faz o mesmo que a gente!
Mal acabaram de falar tiraram as bermudas e correram na direção do mar, eu fiz o mesmo sem questionar. Tem coisa melhor que nadar pelado?
Dentro da água eles disseram:
- Jacaré pelado, todo ano tem campeonato e já virou tradição aqui em Trindade!
Depois de quase uma hora "treinando", saímos da água e fomos para as pedras, onde Bagarai estava sentado com duas garotas, tocando violão.
Sentado ali pude admirar mais um pouco da beleza daquele lugar e entender o porquê do apelido Bagarai e melhor ainda, soube o porquê dele ser o agente de "viagem" oficial.
- Esse tá bom Bagarai! - exclamou Bagarai com certo orgulho.
A luz do entardecer tornava a paisagem mais bonita, o THC tornava as cores mais brilhantes e eu me sentia leve "bagarai".




Continua...

We love mães

- Acorda moleque, já são quase oito horas!
- Pô manhê, mais um pouco!
- Levanta senão jogo água. Quem mandou ficar até tarde assistindo filme?
- Tá, tá, tá! Sai da cama, sonolento enfie-me no jeans desbotado, vesti a camiseta e calcei o primeiro tênis que encontrei.
- Por que tanta pressa? - retruquei com a boca cheia de pasta de dente.
- Você sabe que gosto de ir cedo e voltar cedo, escova estes dentes direito!
- Vamos!
- O senhor já tomou o seu café?
- A gente come um treco por aí!
- Pra quê gastar dinheiro a toa? Senta e toma seu café!
- Tá, tá, tá!
- Come o pão! Você já bem grandinho e sabe que não se deve sair de casa com o estômago vazio!
- Estômago vazio!?!? hahahaha olha o tamanho da minha pança!
- Come presunto
- Não quero!
- Come queijo
- Não quero!
- Passa manteiga pelo menos
- Tá louca, quer me matar de colesterol!
- Você deveria pensar no colesterol quando come uma pizza inteira, hahahaha! - Pela risada vocês devem ter percebido que ela é gorda. Aliás, mãe gorda é um barato, tem aquela risada gostosa, cozinha bem, é brava e está sempre começando um novo regime.
- Não corre! Eu já disse que não gosto que corra. - disse ela agarrada no grip da porta.
- Mãe!!!! Estou a 60 se eu andar mais devagar o caminhão passa em cima da gente!
- Olha prá frente! Ai meus Deus quase bate! Prestenção!
- Mãe tem espaço para um carro ai na frente!
- bla bla bla...ai você é pior que seu pai no volante!
Ela é a única pessoa que tem carteira de habilitação há mais de 45 anos e não sabe dirigir.
- Pára aqui, enquanto você estaciona o carro eu vou comprando algumas coisas.
- Mãe aqui não pode! Não tá vendo?
- Um pouquinho só não tem problema...hahahahahaha! - e tome risada de gorda
- Onde a senhora vai ficar?
- Ah você me encontra! hahahahaha - o motorista do busão espanca a buzina nervosamente.
Quarenta e cinco minutos depois no meio da loucura que é a rua 25 de março encontro minha mãe conversando com outra senhora, nem a distância e tampouco a miopia permitiram-me reconhecer aquela senhora.
Puta que la mierda! Era a dona Noca! Dona Noca era o meu terror quando pequeno adorava beliscar, apertar, morder minhas bochechas, confesso que demorei a superar o trauma causado por aquela senhora.
- Ô meu filho quanto tempo! - e me tascou um beijo na bochecha, desses que fazem smackkk.
-Tá bonito, tá grisalho, um brotão hein? - agradeci meio ruborizado, incrível a capacidade dessas senhoras em me fazer sentir com oito anos de idade novamente.
- Pois é Noca, continua o mesmo moleque. - desabafou minha mãe - Você acredita que ele ainda anda de skate, nessa idade?
- É ele sempre foi maluquinho. - nessa altura eu queria ser um avestruz - Deu muito trabalho, mas agora é casado, tem família, eu sei que ele é um menino responsável. -senti uma pitada de sarcasmo no comentário, mas preferi ficar calado.
Meia hora depois elas se despedem e, acreditem ou não a dona Noca beliscou a minha bochecha.
- Coisa fofa da Noca!
Durante as compras a espera parecia infinita e eu com as sacolas no meio daquele empurra-empurra.
- Tio me dá um trocado? - eu já estava com a mão no bolso quando minha mãe dispara, de dentro da loja.
- Toma juízo menino, vá procurar um trabalho, um rapaz novo, forte, não tem vergonha de ficar esmolando por aí? - confesso que até eu fiquei com vergonha, mas mesmo assim dei uma moeda de um real.
Duas horas depois de muito "hahahaha", de olhar quase todas as lojas da região
(é claro que sempre carregando as sacolas), eu já estava meio estressado.
- Vamos comer? Quer comer oquê?
- Vamos de sanduba mesmo mãe!
- Então tá! Vamos ao mercado e comer pastel de bacalhau, hummmm! hahahahaha! Não sei por que carga d'águas ela me pergunta o que eu quero se ela já decidiu.
E toca eu voltar metade da Rua 25 de março com as malditas sacolas.
- Eu quero dois pastéis e um guaraná, daietí viu! - ela sacou o dinheiro.
- Ô mãe quer parar, dá até vergonha hein?
- Deixa de ser bobo moleque!...hahahahaha!
- Dois pastéis de bacalhau prá você, um pra mim e um sanduba de mortadela!
- E o colesterol? hahahahahaha!
- Ih mãe, não aporrinha!
- Tá meio frio né mãe?
- Pois é....hahahaha! - respondeu tirando uma blusa da bolsa.
- Eu não falei para você trazer um agasalho?
- Ah, mas eu não vou ficar andando com uma blusa e todas essas sacolas da madame!
- Azar o teu, eu tô quentinha, hahahahaha! - mãe não tem jeito, não erra uma!
- Toma, mas da próxima vez eu vou deixar você passar frio. - disse ela tirando uma camisa de flanela da bolsa.
- Hahahahahaha! Escuta teus pais para que te vás bem na vida (senão me engano é uma passagem bíblica) - em seguida tascou uma dentada no pastel de bacalhau.
- Sabe mãe a única pessoa que me irrita, que consegue me tirar do sério, é você! Ô mulher implicante, cri-cri.
- Hahahahaha! Você é meu e eu te conheço muito bem moleque!
- Mãe, eu te amo, você consegue me irritar, mas eu te amo muito!
Ela não disse nada apenas colocou minha cabeça em seu ombro para que eu me sentisse um menino novamente.

Sabe o que é wabi sabi?

Não existe nada melhor que uma boa conversa, dessas que fluem naturalmente, onde você ri, fica sério, se emociona. Dessas que você sai renovado, com gostinho de "quero mais".
Outro dia numa conversa dessas, com uma pessoa muito bacana, lembrei do wabi sabi.
Já sabe o que é wabi sabi?
Conversávamos sobre as imperfeições, físicas, sentimentais e emocionais.
Já repararam que hoje em dia tudo tem que ser perfeito?
Ninguém se contenta com uma barriguinha, uma ruguinha, uma cicatriz, um seio flácido, o tamanho do pênis, calvície, bom deixa eu parar por aqui, pois essa lista não tem fim.
Não chegar em primeiro lugar, não ser o melhor, não cumprir a meta, ter que desistir de algo é motivo para começar a fazer analise, regressão, trabalho com o pai Dito.
Um porre daqueles, um olhar analítico, o esquecimento de alguma data, uma brochada ou até um traque solto involuntariamente na hora errada pode ser motivo de divórcio.
Aposto que você deve estar pensando que esqueci o titulo do texto, mas era exatamente sobre estes assuntos que conversamos quando lembrei do wabi sabi.
Aprendi este termo na minha adolescência, no auge da minha arrogância, dizendo ao velho mestre o quanto gostaria de ser perfeito (hei! não esqueça que eu era um adolescente) rápido, forte, sábio, bla, bla bla.
Ele simplesmente me interrompeu dizendo, wabi sabi.
- Wabi sabi é saber encontrar a beleza no imperfeito, no inacabado, no feio. Disse ele num português macarrônico.
- Você nunca será eterno, pois tudo é impermanente. Você nunca saberá tudo, pois tudo é incompleto. Você nunca será perfeito, pois todas as coisas são imperfeitas. Continuou ele.
- Encontre a beleza no simples, no incompleto, no imperfeito e talvez você não sofra tanto no futuro.
Demorei para entender o que ele me disse naquele dia e talvez não tenha entendido até os dias atuais, mas sacumé, wabi sabi.




A música acima é a tradução perfeita da filosofia wabi sabi e foi composta pelos monges madalenicos pinheiristícos e trapianos Tony "Pituco" Freitas & Carlos "o chacal" Castelo.

Anjo bêbado


Nem ele mesmo conseguia se reconhecer, a barba enorme, a roupa amarrotada, o cheiro de azedo, o olhar distante como se estivesse olhando para o nada.
Nem em seus piores pesadelos ele imaginara que chegaria a esse ponto.
Seria este o tal fundo do poço?
Será que aquele garoto bem nascido e criado de São João del Rey se tornaria mais um indigente internado em algum manicômio ou um numero em algum cemitério da megalópole paulistana?
Dentro da bolsa tiracolo ele carregava duas garrafas de cachaça barata, estava fora de casa há mais de duas semanas, vagando pelas ruas da paulicéia, sem rumo, sem documento, sem esperança.
Betina simplesmente evaporou, não levou nada, não deixou bilhete, não disse adeus. Sandoval procurou por Betina em todos os lugares, no trabalho, delegacias, hospitais, casa de amigos e até em São João del Rey, durante dois meses ele procurou em todos os lugares imagináveis.
Reconstitui todos os passos da última manhã que estivera com Betina.
Será que ele tinha feito algo errado?
Será que nos dias anteriores ele cometera algum deslize?
Não havia explicação ou teoria que explicasse o sumiço de Betina.
Depois de dois meses Sandoval perdeu a razão e começou a vagar pela cidade com uma foto de Betina tentando encontrar alguma pista, algum rastro. Dormindo na rua, alimentando-se mal, não demorou muito para que as pessoas o tratassem como mendigo.
Um dia, passando por uma vitrine, num momento de lucidez, Sandoval percebera o farrapo humano que havia se tornado. Tirou uma garrafa de cachaça da bolsa e consumiu metade da garrafa em apenas um gole, enquanto caminhava em direção ao viaduto Santa Efigênia olhava para a garrafa e dizia:
- Maldita cachaça, desce rasgando a minha alma, queima o meu coração, faça essa dor desgraçada sumir. Você é a anestesia dos desgraçados, fracos e desafortunados.
- Você tem sido minha única companheira nesta busca maldita!
- Apaga aquele demônio dos meus pensamentos, alivia essa dor maldita!
Ele parou no meio do viaduto e contemplou a beleza arquitetônica do viaduto do chá e o silêncio da cidade na manhã de domingo.
- Enquanto eu viver essa dor não vai parar, não agüento mais meu Deus! E chorou convulsivamente.
Olhou mais uma vez para o céu azul, admirou a beleza do viaduto do chá, colocou o pé na grade de proteção e gritou:
- Hoje é um lindo dia para morrer!!




Continua...

Geléia de morango

Geléia de morango é isso mesmo!
Quando criança adorava ir para a casa da minha avó, talvez pelo fato dela gostar de mimar os netos e ser uma ótima cozinheira. Uma coisa que nunca se apagou da minha memória foi a geléia de morango.
Não era apenas o sabor delicioso, mas o ritual que envolvia a confecção da guloseima.
Levantamos cedo para colher os morangos, quem já esteve numa plantação de morango nunca esquece do cheiro, aquela mistura de terra, morango e folhas. O cheiro do morango assim que você colhe é uma delicia e bem diferente dos aromas produzidos em laboratório.
Minha avó tinha o dom da prosa, enquanto confeccionava a geléia costumava contar causos, dar conselhos, ouvir atentamente e rir. A cozinha ficava com aquele cheiro de morango, era possível sentir as boas vibrações durante ritual.
A tardinha era hora de comer pão caseiro com a geléia de morango, como era bom. Na fase pré-adulta comecei associar tudo de bom que me acontecia com geléia de morango.
E assim descrevo aquela paixão arrebatadora, geléia de morango.
Uma paixão que me deixou sem prumo, mudou meu rumo, superou expectativas, levou-me além dos limites.
Destino traçado, caminhos cruzados, paixão de verdade, dessas que a gente olha para o horizonte imaginário e fica emocionado. Uma força de mil redemoinhos que suga a gente com a voracidade de deuses.
Estar apaixonado daquele jeito era felicidade constante, não existiam Marthices ou fases tepeêmicas que acabassem com o bom humor dos amantes.
Conversas recheadas de risadas sinceras, confissões, olhares e mais risadas. É bom poder falar tudo sem medo de censura, ser aceito como você é, poder mostrar para apenas uma pessoa o mundo de possibilidades de existe em você.
O sexo então, nem se fala! Ou melhor, fala, geme, ri,chora.
Quando se está apaixonado, não se faz amor. Quando apaixonado a pessoa fode, pode parecer um pouco grosseiro, mas só quem está apaixonado fode, essa vontade de querer ir além, de se entregar mais que o limite. Só quem está apaixonado é capaz de ser sincero o suficiente para foder feito bicho solto, sem medo, sem limite. Amor a gente deixa para fazer depois de foder, sentindo um ao outro, olhando nos olhos, entrelaçando os corpos, sentindo os cheiros e sabores numa meditação conjunta onde palavras não precisam ser ditas.
Porém sempre existe um “mas”, uma vírgula, um ponto final, um novo parágrafo, e aquela paixão com sabor de geléia de morango, agora só existe na memória ou numa velha canção.
Hoje durante o trabalho lembrei da geléia de morango e daquela grande paixão



Aproveito o vídeo do amigo Tony "Pituco" Freitas para ilustrar essa humilde crônica.

Mercado

-Ai, desculpa…
Em frações de segundos, que pareciam uma eternidade, lembrou-se dele indo embora, com as mãos no bolso sem olhar para trás. Ela permaneceu sentada no meio-fio, não chorou, mas sentiu uma lágrima, a primeira de um rio. Vinte anos em frações de segundos.
- Não acredito! É você mesmo Isabel?!?! – ele estava pasmado.
Ela demorou a responder, não conseguia raciocinar direito. Vinte anos depois, reencontrar o primeiro amor de sua vida, no mercado, cheia de compras, usando jeans e camiseta, numa TPM monstruosa, só poderia acontecer com ela. Ele continuava com aquela carinha de menino. Jeans, camiseta e tênis, claro que já era um quarentão grisalho, mas a aura do menino permaneceu.
- Marco! Quanto tempo! – foi a única coisa que ela conseguiu responder.
- Que coisa, hein? Já faz tempo, né?
- Vinte anos e dois meses. - foi categórica, era a única coisa que ela sabia com exatidão naquele momento.
Marco fez a menção de abraçá-la, ela instintivamente estendeu a mão. Ele percebeu, mas puxou-a para si, ele queria sentir o cheiro dela, queria sentir aquele corpo, mesmo que por segundos, mesmo que pela última vez.
Ela gostou, na verdade queria sentir aquele abraço, queria saber se a sensação era a mesma de vinte anos atrás e de repente o mundo parou, eles disseram tudo o que queriam na ternura e no silêncio daquele abraço.
-Que tal um café? - perguntou Marco
- Claro! Mas antes me ajude a guardar as compras. – respondeu sem pensar na casa, no marido e nos filhos.
Isabel estava na fase do “balanço”, descobriu que estava acostumada com o pai de seus filhos, aquela ferveção passional acabou logo após o nascimento do primogênito, casada há quase dezenove anos empurrava o casamento com a barriga por quase dezesseis, coisas que foram construídas em conjunto, filhos, conforto, família. O divórcio seria desperdício, então ela fingia que estava tudo bem e sonhava com o dia que pediria a separação.
Começaram a conversa com assuntos banais, mas depois das compras guardadas, o café servido, eles entenderam que era melhor ir direto ao assunto, sem rodeios, fazer como antigamente perguntas e respostas sem medo ou restrições. E aos poucos eles conversavam como há vinte anos.
- Marco, me fala de sobre você, o que você anda fazendo? Casou? Tem filhos?
- Falo sim, acabei de me separar, depois de quinze anos de casado percebi que eu nunca amei a mãe dos meus filhos, percebi que desde que a conheci ela usava uma máscara e que com o tempo essa máscara caiu. Certa vez fomos viajar com as crianças e ela começou a reclamar. Sabe aquele discurso pronto do Gasparetto? Aquele papo de anulação, patatí , patatá.
- Por que você está rindo? Perguntou Marco.
- Eu também já usei este discurso. Respondeu Isabel
- Tudo bem, acho que toda mulher usa, mas ouvir por trezentos quilômetros durante a ida e mais trezentos na volta haja paciência! Vai ser chata assim lá em Piracaia.
Os dois caíram na gargalhada.
-A verdade é que depois daquele dia comecei entender que já não conhecia mais aquela mulher, era outra pessoa, em todos os sentidos. – Isabel não conseguiu sentir uma ponta sequer de compaixão pela mulher de Marco.
-Ela andava infeliz e eu também, então um belo dia após uma discussão boba, mas boba mesmo, eu sugeri o divórcio e ela aceitou numa boa. – concluiu Marco.
-E você, como anda a vida? – perguntou curiosamente
Neste momento o coração de Isabel disparou, ela ficou aflita e estranhamente, após alguns segundos senti-se calma, afinal estava conversando com Marco, o grande amor de sua vida. Ela apenas olhou fixamente nos olhos de Marco e ele pode tirar as conclusões, o silêncio se fez presente por um tempo.
Marco segura a mão de Isabel e com os olhos vermelhos diz o que os dois sabiam desde o início, desde vinte anos atrás.
- Eu te amo como nunca amei ninguém em minha vida, você foi, é, e sempre será meu único amor e eu queria ter dito isto no instante que te vi.
Isabel desmoronou, aquele sentimento tão antigo parecia estourar em seu peito novamente, agora, mais que nunca, ela sabia que Marco era o seu grande e eterno amor.
- Te amo igual, não tem um dia em que eu não pense em você.
Refeitos, eles caminham juntos em direção ao estacionamento e foi ali que eles trocaram o beijo mais apaixonado de suas vidas, era inevitável, incontrolável, irracional, era apenas desejo, paixão. Se fosse possível escolher o momento da morte, os dois escolheriam este.
Trocaram os números de telefone, e-mail, prometeram que jamais se distanciariam novamente e que algum dia iriam morar juntos na praia brava, um antigo sonhos que os dois dividiam.
Depois deste dia, Isabel ficou mais bonita, mais feliz, ela estava apaixonada novamente. Marco encontrou um motivo para voltar a sonhar, as tardes ou manhãs que eles passavam juntos, amando, conversando, sonhando, valiam qualquer risco ou esforço, Marco nunca cobrou nada de Isabel, pois sabia que ela o amava, Isabel não via a hora do caçula terminar a faculdade, ela queria passar o resto de sua vida ao lado de Marco, na praia brava, caminhando ao entardecer com o seu único amor.