- Porra bródinho, não se trata de viajar e sim de busca espiritual, é claro que existe uma ajudinha extra, mas segundo as garotas, vale cada centavo!!
- Não sei, tô achando este chá muito caro...
- A grana não é só para o chá, paga também o tempo que a Xamã vai te acompanhar, sacou? É uma consulta espiritual, na qual você vai descobrir muita coisa.
- Xamã?! Que é isso? Ô TUNHÃO, para com isso rapá!
- Xamã é a pessoa que vai conduzir nesta viagem, vai te mostrar o caminho. É o seguinte, com exceção do primo da Lua, a Lua e o Primo Preto, todos vão participar, se tu quiser vir, venha. Se não quiser, sem problemas.
-A Guta vai?
- É claro, ela não te convidou porque... te acha muito novo para este tipo de experiência, hahahaha!
O sangue ferveu na hora, moleque é o cacete! Foi a única coisa que me veio em mente.
-Tô dentro, toma a grana que eu estava economizando para comprar um jogo de rodinhas gringa. Só espero que essa trip valha cada centavo.
-Relaxa, tu vai curtir o lance. Sábado a noite na casa delas e vê se não come demais.
-Por que?
-Não sei, mas elas disseram para não ir de barriga cheia, quando acabar tem lanche.
No sábado encontrei com o TUNHÃO, o Primo Cabelo e o Nêgo-boy no "ponto certo" e senti um clima místico no ar e apesar de ser a primeira vez, todos estavam tranqüilos, até demais. Dentro do Fusca (do TUNHÃO) a conversa era trivial, tive a sensação que todos estavam evitando falar sobre o que estava por acontecer, tentei entrar no assunto várias vezes, sem sucesso e assim foi o caminho todo.
Quem nos recebeu foi a Guta, linda como de costume, ela me deu um abraço gostoso e um beijo no canto da boca, estava feliz com a minha presença, só este momento já valeu as cinqüenta doletas.
Fui apresentado a Xamã, uma boliviana comum e sorridente, que vestia uma espécie de uniforme de farmacêutico e estava acompanhada de uma assistente. A sala estava vazia e sentamos todos no chão (sem tapete), segundo a Xamã era melhor assim.
Conversamos, ou melhor, tentamos conversar com a Xamã que não falava bulufas em português, para nossa sorte a Claudia e a Guta falavam bem e traduziam tudo, o portunhol realmente não rolava com a boliviana.
Sentados ao redor da Xamã ouvíamos atentamente as explicações e algumas orações, um pouco antes de passarmos para o segundo estágio (tomar o chá) ela começou a repetir uma frase (segundo a Claudia a frase era, ele vai revelar, ele vai encaminhar, para ele entrego minha alma) senti um calafrio quando soube o que ela estava falando.
De repente ela ficou de frente para mim e disse:
-Hoje um novo mundo vai se abrir para você preste atenção em tudo.
Senti os pelos do meu corpo eriçarem.
A assistente trouxe o chá e a Xamã começou a servir enquanto rezava algo incompreensível (a esta altura ninguém traduzia mais nada), o gosto era muito, mas muiiito ruim, amargo, fiz uma força fenomenal para tomar, pensei em tomar em apenas um gole, mas estava quente demais.
Depois que todos tomaram suas doses a Xamã saiu do transe e começou a conversar, mais relaxados começamos a conversar entre nós, lembro-me de dizer ao TUNHÃO que o chá não fez efeito nenhum, ele riu e respondeu:
-É assim mesmo, demora um pouco para fazer efeito. Fica aí que eu vou tentar pegar mais peixes lá embaixo.
Peixes?!?! Lá embaixo?!?!
Foi então que percebi que estava na beira de um rio, largo e com a correnteza forte, ao meu lado uma cesta com nove peixes.
-TUNHÃO!!! Cadê você rapá???
Levantei e sai correndo pela beira do rio, percebi que estava dentro da mata, às vezes alguns flashes de pessoas vomitando, não conseguia mais identificar ninguém na sala, pois todos estavam sem rosto, com exceção da Xamã que dizia:
- Mira, mira, mira todo!!!
Na mata, fui atacado por nove macacos, não sei de onde eles apareceram, assim como também não sei como aquele porrete apareceu na minha mão, de repente ouço o TUNHÃO rindo.
-Voa, saia daí voando!!
E lá estava eu voando, do meu lado apareceu a Xamã, que disse para eu prestar atenção em tudo e o pior é que eu estava entendendo tudo o que ela dizia.
Sentado em um banco eu observava nove crianças brincando duas delas me chamaram de pai e apontaram a mãe, não pude ver o rosto dela, nem ouvi-la, pois havia um vidro que nos separava.
De repente estava frente a frente com a Guta e comecei a chorar, chorava compulsivamente, não sabia se era de alegria ou tristeza. Ela me beijou e foi como se fossemos um só, um beijo eterno com sabor de paixão.
Abri os olhos e estava na cozinha da minha casa, sobre a mesa uma carta aberta com a foto de uma tia que há nove anos não dava noticias, atrás da foto estava escrito: para o meu querido sobrinho.
Fui o último a acordar, então entendi o porquê da sala vazia, a assistente da Xamã ainda limpava as poças de vômito. Todos vomitaram muito, segundo a assistente.
Ao nos despedir, a Xamã perguntou se eu tinha prestado atenção em tudo, eu disse que sim. Ela apenas respondeu:
- Agora preste atenção no número nove.
Não quis beijar a Guta, pois a sensação de estar vomitado, embora não estivesse, inibiu qualquer tentativa de aproximação.
Na volta estávamos todos em silêncio, tentando digerir as informações recebidas durante o ritual.
Quando o carro parou na porta de casa, me despedi do TUNHÃO com um “falou!”, quando ele estava saindo colocou a cabeça para fora do carro e gritou:
- Eu quero a metade daqueles nove peixes, porra!!!!
A surpresa só não foi a maior porque quando entrei em casa, lá estava a foto e a carta da minha tia.
Até hoje não consegui uma explicação lógica para o acontecido, depois desta vez, ainda encontrei a Xamã duas vezes, mas isto, é outra história.
Continua...
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