- Ô meu Deus, que pindaíba lascada!
Hoje saí de manhã para procurar um emprego como faço todos os dias, a crise mundial afetou a todos, no começo eu tinha dinheiro para um pão na chapa e um pingado, na hora do almoço eu conseguia almoçar na liga das senhoras católicas, mas os tempos de fartura acabaram.Café agora, só quando tem na empresa que vou fazer entrevista, acabei desenvolvendo uma técnica para tomar café grátis, entro em qualquer lugar e pergunto pelo responsável pelo RH, enquanto o funcionário vai perguntar, eu ataco a garrafa térmica e tomo uns três cafés, não é tão ruim e dependendo do horário, rola até um pãozinho com manteiga, mas depende do horário e da empresa.
Costumo andar com uma maleta, pois dá uma aparência séria de "business man", na verdade só carrego alguns papéis, jornais gratuitos e minha garrafa térmica, pois é com essa pindaíba toda o negócio é tomar canja, mais barato e não estraga, o segredo é fazer canja com pescoço de galinha (apenas um pescoço por dia) o duro é tirar o pescoço da garrafa térmica, o caldo faz a carne inchar e às vezes o pescoço fica entalado na garrafa.
O aluguel da pensão está atrasado três meses e a portuguesa já avisou que de hoje não passa, ô mulherzinha mão-de-vaca, mas pensando bem ela está certa, é a fonte de renda dela.
Mas hoje deu tudo errado, não bastasse o buraco (cratera) na sola do meu sapato, que nem o jornal consegue remediar, acabei pisando no cocô de cachorro, que entrou no sapato, meu Deus que bodum!! (Vocês repararam que quando a pessoa está nesta situação a palavra mais falada é Deus)
Não bastasse isto, um trombadinha levou minha pasta, nem deu tempo para gritar que era a minha canja que estava lá dentro, o pior que eu estava mancando, pois não queria espalhar mais o cocô do cachorro dentro do sapato, fui até a Praça da Sé, foi o único lugar que me ocorreu, ali tem água, digo fonte. Eu estava tentando lavar o pé e escorreguei, caí dentro da fonte fiquei todo molhado, que vergonha, os estudantes passando e me olhando com cara de dó.
Voltando para casa (nem sei por que estava voltando, a portuguesa já havia me avisado que hoje era o último dia) todo molhado, cheio de bolhas nos pés e aquele bodum de cocô de cachorro, encontrei dez reais na rua. Dez reais!!!!
Como era uma miséria e não dava para fazer nada com aquele dinheiro, decidi investir num calmante natural e olhar a garotada catando recicláveis no lixão. O final de tarde, o calmante natural e a molecada fizeram-me ver como a vida é linda, até na minha situação.
Ricardo Sagioratto - Samba da dureza mole
A trilha sonora deste escrito é uma composição do maestro Ricardo "Azeitona" Sagioratto e faz parte do disco "Brazilian original songs - Azeitona's".
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