segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Confraternização


Final de ano, graças ao bom Deus! Esse ano foi estressante, cobranças no trabalho, em casa, até de mim mesmo. Cobranças, cobranças e mais cobranças. Pô! Dá um tempo! Meu patrão cobrando resultados, números, êxito, afinal de contas, após quase 20 anos na empresa eu já era da "família", em pensar que aceitei o emprego acreditando que estava fazendo parte de algo inovador, hoje com mais de 200 funcionários, filiais em todo o Brasil e até no exterior, percebo que nada mudou e o inovador era apenas uma doce ilusão! O jeans surrado, camiseta e os cabelos compridos e desgrenhados foram trocados por terno, gravata e gel, que diferença!

Em casa, as coisas também mudaram, a gatucha de outrora tornou-se dona Tereza, manhê, Têzinha. Outro dia depois de uma discussão (lógico que os meninos não estavam em casa) ela disse: -Nunca mais me chame de gatucha!!! eu odeio quando me chama assim!!! Pô, depois de 25 anos juntos, ela me fala uma coisa dessas, eu não mereço. Aliás quando estamos a sós, tem sido apenas discussões, a terapeuta disse que não é bom discutir na frente dos meninos. E por incrível que pareça, ela cisma em "discutir a relação" quando estou lendo o meu Bukowski( a cada dia que passa, convenço-me que ele estava certo, só tomando todas! ) ou assistindo um filme que eu escolhi ( coisa rara ), é, porque com o futebol e a música eu tive que parar. - Você é um homem casado, tem que passar seu tempo livre comigo! Era assim que ela falava e eu acatei, era isso ou greve de sexo. No começo as discussões eram cheias de argumento, educação e dependendo do desfecho, uma delicosa noite de sexo selvagem, como era bom! Agora é apenas uma troca de agressões verbais, começando em chata, careta(será que alguém usa esse termo ainda),manipuladora e terminado em vaca castradora, biscate de meia-idade. No meu caso ( ela é cruel e sabe usar as palavras), porco, idiota, pica-mole, pistolinha, bosta, banana( essa eu odeio, lembro da minha mãe, chamando meu pai de banana). Mesmo assim, eu não consigo viver sem ela, sou louco por ela, apaixonado por ela, com todas essas dicussões e a convivência, ela ainda é a mulher que eu sempre sonhei e são aqueles olhos que eu quero olhar no meu último segundo de vida ( nossa, se ela pudesse ler meu pensamento agora iria ficar insuportávelmente metida...rs ).
Os meninos são maravilhosos, mas estão em uma fase difícil, o mais velho com 20 anos está na faculdade e faz uns "freelas", afinal de contas nós somos da classe média (isso existe?) e já está na hora dele começar a ganhar o próprio dinheiro, nos horários vagos fica trancado no quarto transando com a namorada, que já ganhou até uma gaveta e uma escova de dentes. Eu acho legal, o problema é a Tereza falando: - Essa putinha não tem casa? cadê os pais dela? Como se ela nunca tivesse transado (e como!!!) comigo quando namorávamos, chega a ser patético esse ciúmes maternal.
O mais novo, esse é um problema, muito parecido comigo, outro dia a Tereza falou: - Acho que o Rafinha está fumando maconha, estou preocupada com ele! Sabendo que meus filhos tem uma ótima formação ( graças a Deus!....e a mãe deles) resolvi relevar e respondi: -Você? preocupada? esqueceu o que faziamos na casa de praia dos seus pais? Esqueceu da Tereza fumacinha? Aliás, esse remédio que você está tomando para emagrecer é anfetamina né? ela apenas respondeu: - É acho que é fase mesmo.... E saiu com um sorriso no canto da boca. Outro dia estavamos olhando algumas fotos da minha juventude e ele disse: -Pô paiê! cê "era" mó doidão! será que quando eu ficar velho vou ser assim também? respondi com uma pergunta: - Assim como? ele: - Assim, meio bundão, tipo tiozinho de terno e gravata? o silêncio foi a melhor resposta.
Mas agora, meu pensamento estava na confraternização, hoje eu vou me esbaldar, tomar todas, voltarei de táxi, objetivo alcançado, sensação de liberdade, mesmo sabendo que o próximo ano será a mesma coisa, hoje eu vou me acabar. Já no pub, sem o terno e gravata senti a animação do pessoal.
-Nossa o senhor está um gato de camisa e jeans! Minha face enrubreceu-se mais ainda depois do comentário, do olhar e do sorriso sacana da estágiaria lançado em minha direção. A trilha sonora não podia ser melhor, só músicas dos anos 70, já estava meio "alto" quando o "patrão", que sabe da minha paixão por música disse-me: - Hoje você vai tocar com a banda, é meu presente de fim de ano para você! Relutei, dizendo que não estava preparado, coisas do genêro, mas na verdade estava louco para poder exorcizar meus demônios ali, naquele palco, perante todos os colegas de trabalho.
Eu já estava "legal" quando ouvi meu nome, o espanto pareceu ser geral, será que mudei tanto assim? Um dos rapazes da banda( com a mesma idade do meu filho mais velho) perguntou-me qual música que eu gostaria de tocar, senti a preocupação dele( deve ter pensado, esse tiozinho está bêbado) já que eles tocavam música setentista, disse sem titubear: - Purple haze! Ele fez o sinal positivo com a cabeça avisou o restante da trupe, nos primeiros acordes senti o introsamento e pensei, hoje eu exorcizo todos esses demônios. A visão do palco fez-me perceber o peso dos anos, a expressão de espanto no rosto dos colegas deixou-me um pouco timído, mas a sede de sentir-se livre era maior, então invoquei Hendrix e deixei rolar, a cada nota eu tentava enviar uma mensagem aos presentes : EU NÃO SOU O HOMEM CARRANCUDO QUE VOCÊS PENSAM QUE SOU!!! No solo, entre bends e vibratos, pude ouvir alguns aplausos, resolvi ousar e ajoelhei-me, deixei o som tomar conta do meu corpo, os rapazes da banda estavam entusiasmados e alongaram o tempo do solo, sorvi a energia de cada milésimo de segundo como se fosse um elixir da juventude, no final os aplausos e pedidos de "mais um", o olhar da estágiaria estava mais sacana ainda ( ai meu Deus!!! ) um copo de whisky chegou as minhas mãos e rock'n'roll all night! Na despedida sorrisos, elogios e o convite dos musicos da banda para mais uma jam. A estágiaria percebendo meu estado (etílico) prontificou-se a chamar o táxi, como retribuição ofereci uma carona, que foi aceita imediatamente, dentro do carro ela disse: - O Senhor.. retruquei: - Senhor não!!! Hoje é você! Timidamente ela disse: - Nossa, você estava tão diferente hoje! Olhou-me nos olhos e me tascou um beijo, daqueles deliciosamente molhados e irrecusáveis. Minha vida passou como um filme, em segundos e minha mente rodava. Nossas bocas ainda estavam juntas quando, a imagem de Tereza veio a tona, o táxi parou em frente ao prédio dela, o convite para subir foi recusado junto com uma explicação. Rumo à minha casa ouvi um comentário do motorista: - Para recusar um mulherão daqueles tem que amar muito a esposa. Fiz-me de morto e não respondi, chegando em casa não aguentei subir as escadas e desabei no sofá, o cansaço era diferente, parecia ser o cansaço de final de ciclo, de missão cumprida, desmaiei. Pela manhã acordo com Tereza falando pelos cotovelos, disparando a metralhadora verbal à queima-roupa, sem entender o que ela falava, eu apenas olhava, mas consegui dizer:

- Eu te amo!

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