segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Anjo bêbado


Nem ele mesmo conseguia se reconhecer, a barba enorme, a roupa amarrotada, o cheiro de azedo, o olhar distante como se estivesse olhando para o nada.
Nem em seus piores pesadelos ele imaginara que chegaria a esse ponto.
Seria este o tal fundo do poço?
Será que aquele garoto bem nascido e criado de São João del Rey se tornaria mais um indigente internado em algum manicômio ou um numero em algum cemitério da megalópole paulistana?
Dentro da bolsa tiracolo ele carregava duas garrafas de cachaça barata, estava fora de casa há mais de duas semanas, vagando pelas ruas da paulicéia, sem rumo, sem documento, sem esperança.
Betina simplesmente evaporou, não levou nada, não deixou bilhete, não disse adeus. Sandoval procurou por Betina em todos os lugares, no trabalho, delegacias, hospitais, casa de amigos e até em São João del Rey, durante dois meses ele procurou em todos os lugares imagináveis.
Reconstitui todos os passos da última manhã que estivera com Betina.
Será que ele tinha feito algo errado?
Será que nos dias anteriores ele cometera algum deslize?
Não havia explicação ou teoria que explicasse o sumiço de Betina.
Depois de dois meses Sandoval perdeu a razão e começou a vagar pela cidade com uma foto de Betina tentando encontrar alguma pista, algum rastro. Dormindo na rua, alimentando-se mal, não demorou muito para que as pessoas o tratassem como mendigo.
Um dia, passando por uma vitrine, num momento de lucidez, Sandoval percebera o farrapo humano que havia se tornado. Tirou uma garrafa de cachaça da bolsa e consumiu metade da garrafa em apenas um gole, enquanto caminhava em direção ao viaduto Santa Efigênia olhava para a garrafa e dizia:
- Maldita cachaça, desce rasgando a minha alma, queima o meu coração, faça essa dor desgraçada sumir. Você é a anestesia dos desgraçados, fracos e desafortunados.
- Você tem sido minha única companheira nesta busca maldita!
- Apaga aquele demônio dos meus pensamentos, alivia essa dor maldita!
Ele parou no meio do viaduto e contemplou a beleza arquitetônica do viaduto do chá e o silêncio da cidade na manhã de domingo.
- Enquanto eu viver essa dor não vai parar, não agüento mais meu Deus! E chorou convulsivamente.
Olhou mais uma vez para o céu azul, admirou a beleza do viaduto do chá, colocou o pé na grade de proteção e gritou:
- Hoje é um lindo dia para morrer!!




Continua...

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